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O que nunca te falaram sobre a cultura do skate (Parte 1)

O que nunca te falaram sobre a cultura do skate (Parte 1)
Castro Pizzano
dez. 18 - 10 min de leitura
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Um breve relato sobre skate, cultura e educação

Cada encontro, palestra, aula ou pitch que preciso elaborar, a temática de aproximação com o público - seja ele qual for - se inicia de maneira instintiva, natural e verdadeira, afinal, sou assim em meu processo criativo e em meu workflow de criação, produção e implementação. Portanto, vindo de um skatista, nada mais natural do que abordar as analogias da vida em relação à própria cultura do skate. Essa essência se faz presente, pois é o meio em que estou inserido e de onde vieram meus aprendizados,  impregnada do que me tornou apaixonado pelo que faço.


Imagem: Fernanda Steiniav Anacleto / Bastidores da Profissão 2018 - UTP

(Imagem Capa: Rafael de Cristo / Mostra UDNFS 16' - Museu MuMA)

Uma manobra, um momento. - Mostra UDNFS / Museu MuMA

"Libertar o espírito, lavar a alma. Conquista, persistência e insistência. Cores, experimentalismo abstrato e cultura real. Esporte por opção, natural por instinto. Vida que sopra, desafio que move, satisfação que realiza. Música, engrenagem, organismo, ferramenta. Vivência, conhecimento, transformação e união. Em uma manobra, em um momento. Carrinho é gíria, viver é um talento. Skate que libera o espírito e lava a alma."

-Castro Pizzano

 

Imagem: Imprensa / Felipe Oliver Arnoso sobre UDNFS14'e 16'

O maior interesse em descrever situações inspirado neste esporte, além da série de fatores e comportamentos que seu próprio universo aplica de maneira prática, é acompanhar a evolução constante de sua imagética, adaptabilidade e alcance. Seja pela contracultura do "faça você mesmo", pela coletividade e colaboração partilhada pela comunidade que respira a vivência urbana - onde fazemos a leitura da problemática x solução a todo instante - é um assunto que não passa batido quando se inicia uma boa conversa.

 

O skate fala todas as línguas

Despertando o interesse de quem está imerso, de quem admira como entusiasta, de quem não faz ideia e até mesmo de quem faz vistas grossas, o fato é que desperta curiosidade. E na curiosidade é que mora a busca. O conhecimento. O desafio - superar limites, criar novas maneiras, questionamentos e experimentações. Quem anda de skate sabe - é curioso, destemido, inovador, estratégico e sagaz. Por necessidade de compreender seu próprio desenvolvimento, o mundo que o cerca, a exploração e as descobertas que cada local e momento propiciam, a criatividade para desempenhar suas habilidades criando um estilo próprio e, não menos importante - a vontade de fazer.

Imagem: Flávio Krüger / Raphael Rodrigues em Oficina - ANTÍTESE / CURITOWN

A cultura do skate permeia todas as áreas, fala todas as línguas, envolve gerações e ressignifica o território, tempo e espaço onde se instala. É esporte, lazer, meio de transporte, manifestação cultural. São hábitos de encarar o mundo, expressar-se, comunicar com a naturalidade de ser quem você é, respeitar as diferenças e viver as transformações. Um estilo de vida que - praticado individualmente e em grupo, constrói conduta, identidade, comportamento e sociabilidade - abre caminhos para percepções diferentes, tomadas de decisões inovadoras e inúmeras práticas potencializadoras em qualquer "profixão" (uso a licença poética aqui para lembrar que para desenvolvermos uma atividade com excelência e participar do sistema que vivemos - sem a dependência, mas sim a necessidade de uma relação saudável de progresso - prefiro chamar assim a fusão de profissão com paixão)  que se deseja seguir, estudar e capacitar-se cada dia mais, tornando-se um Pro*. (*Na linguagem do skate, aquele que desafia a si mesmo em busca da evolução, admirando a evolução do próximo e contribuindo para a sua própria. Que tem como objetivo - superar com energia total seu próprio eu). Afinal, no skate as metas são - união, fortalecimento do movimento, capacitação social, acessibilidade, participação construtiva, repasse de conhecimentos e técnicas e busca pela estrutura ideal para o autodesenvolvimento comunitário e seu espaço de celebração conjunta de novas habilidades e integração sócio cultural.

Educação, economia, arte, música, empreendedorismo, criatividade - tudo se faz presente numa inter-relação direta. Como em todo movimento do mundo - espaço e sociedade. No entanto,  acredito que o que mais me seduziu, desde pequeno, foi a percepção da sociedade e as barreiras a serem transpostas. Isso porque em todo movimento contracultural, marginalizado ou sem apoio direto, fomenta-se a inovação, a diversidade e a força coletiva. Em todo o tempo em busca de um protagonismo social, o skate - sempre independente em sua essência - evita reclamar, culpar ou segregar - vai lá e faz. Pronto.

Estamos em todos os lugares

Buscando inspiração constante, referenciais, interpretação para aí experimentar e achar seu próprio caminho. Somos assim. Plurais e integrados. Pela questão de que todo skatista, em certo momento percebe-se imerso em assuntos como design, sociedade e urbanismo, acaba se tornando crítico e fundamental para o processo de desenvolvimento social. Ele instiga, interfere, constrói e desconstrói, participa e questiona. Falo muito sobre a parceria fantástica da academia da vida e da academia dos livros. Prática e teoria aplicadas. Fazer para entender, para despertar, para errar  (e entender o erro como parte do processo e muitas vezes fator determinante para a inovação), para buscar e aprofundar-se na teoria para, então, compreender o ato em si.

Através do esporte que carrego em minha vida como objeto de estudo, pude desenvolver habilidades distintas, satisfação em descobrir o novo e poder repassar o conhecimento buscando parceiros para essa jornada fantástica. Comecei, ainda novo, um projeto de marca junto com alguns amigos, no qual o trabalho tornava-se diversão sem o compromisso de ser uma empresa. Em paralelo, tínhamos objetivos diferentes, sendo assim o tempo livre era uma escola para empreender de forma independente, claro, com a necessidade de nos profissionalizarmos cada vez mais e ajustarmos as demandas e obrigatoriedades ao mercado que existia, mas sempre com o questionamento do caminho único. Então, por que não fazer diferente? Entre estágios e oportunidades diferentes que abraçava, ser skatista por si só já era um diferencial de aproximação, como citei no início. Afinal, não me encaixando em padrões pré estabelecidos e sempre curioso, buscava oferecer meu máximo - como no momento de realizar uma manobra desconhecida ou até mesmo ter que desviar de um obstáculo imprevisto - no dia a dia de trabalhador o desafio chegava da mesma maneira. E a vontade de aprender coisas novas, de participar das decisões, de poder sugerir soluções e de quebrar a cabeça buscando resultados diferentes e "fora da curva". Criar metodologias e linhas de raciocínio para otimizar a produção, torná-la exclusiva e acertar a "manobra".

Imagem: Marcel Rodrigues / Turma da Oficina - VAI PELA SOMBRA / UDNFS16'

Estar em uma pista de skate é conhecer realidades diferentes, culturas diversas, comunicar-se com gerações distintas, co-criar e colaborar, inventar um obstáculo para se divertir com o grupo, desafiando e comemorando cada acerto. Compartilhar uma refeição, até mesmo uma bebida e, logo em seguida, resultados, visões diferentes, ideias e uma boa conversa sem tempo para acabar (diga-se de passagem - um puta brainstorming). Pensar no próximo encontro, nas possibilidades, na criação de uma marca, de um grupo, de obter apoio, de reunir-se toda semana com um propósito. Um propósito que gera milhares de outros - exponencial.

Criar uma família na qual - a cada final de etapa, de ano - cada indivíduo volta com novidades sobre sua vida pessoal, profissional, suas experiências adquiridas, suas parcelas de contribuição para inspirar o próximo, para estabelecer um novo ciclo que vai gerar novos conhecimentos. Sempre em movimento, sempre em mudança, sempre em transformação. Entendendo o passado, acompanhando o presente, imaginando um futuro com melhores perspectivas. Um esporte para todos, sem exceção. Para quem pratica, para quem passa para dar uma olhada, que influencia diretamente e indiretamente quem está "de dentro" e quem está "de fora". Todos participam e suas opiniões moldam sua caminhada, oportunizando descobrir a si mesmo em diversas áreas. Nem todo skatista anda de skate. Já andou, ou apenas apreciou o movimento, mas fez da memória construída um fator determinante para suas bagagens culturais mesmo que de maneira inconsciente. Calma lá, eu explico. Artistas, fotógrafos, videomakers, músicos, dentistas, médicos, arquitetos, economistas, empreendedores, profissionais em geral, já provaram de sua fonte. Conectando amizades para a vida inteira, criando projetos sociais, participando do mercado de alguma maneira - posso dizer com certeza que o impacto desse esporte se manifestou de algum modo - afinal quem não conhece o que é ou experimentou ser skatista e teve a oportunidade de observar, de alguma forma, sua intervenção em alguma cidade?

Agora, pare para pensar em tudo o que está ao skate relacionado. Linguagem própria, visual, auditiva e poética, um modo de enxergar a cidade por um espectro diferente. Que abre espaço para a intervenção e suas mais diversas formas de aplicação.

Imagem: W.Mixtura / Atleta:Diego Costa - ANTÍTESE / CURITOWN


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